Você conhece o termo antifragilidade? À primeira vista, é compreensível identificá-lo como o oposto da fragilidade, mas o significado vai muito além disso. É o que defende o autor líbano-americano Nassim Nicholas Taleb, que, em 2012, publicou um livro sobre o tema. Desde então, o conceito vem sendo discutido e explorado em diferentes universos.
No mundo corporativo, por exemplo, a antifragilidade é considerada uma das soft skills mais importantes do momento. Quer saber como funciona essa habilidade e como ela pode impactar sua carreira positivamente? Então, continue a leitura e entenda.
O que significa antifragilidade?
O livro “Antifrágil: coisas que se beneficiam com o caos”, de Taleb, associa o termo a uma característica que vai além da resiliência e robustez. Trata-se de uma nova forma de enxergar os desafios. Mas como isso ocorre, de fato?
Em uma comparação simples, antifragilidade não é resistir a um choque, mas melhorar por causa dele. Ou seja, as adversidades são utilizadas como força propulsora para um nível avançado de inteligência emocional. Independentemente da sua área de atuação, fica fácil concordar que essa característica tem um impacto muito positivo em uma cultura organizacional.
Em um mundo com tantas variáveis e acontecimentos inesperados, como a pandemia da Covid-19, é importante contar com profissionais que estejam dispostos a lidar com crises sob um olhar de aprendizado para o bem-estar corporativo. A propriedade singular de extrair algo positivo de um cenário de adversidades é uma verdadeira joia.
No entanto, é importante destacar que a antifragilidade não significa romantizar os obstáculos, mas sim considerá-los de modo a não permitir que eles o paralisem. Ela amplia o olhar e dá força para lidar com o desconhecido. Dessa forma, engloba a ideia de que a desordem é necessária para lapidar o desempenho.
Qual a diferença entre a antifragilidade e a resiliência?
Apesar dos significados parecidos, essas palavras têm conceitos diferentes. As duas lidam com adversidades, mas adotam comportamentos específicos. Entenda melhor a seguir.
O conceito da resiliência
A palavra resiliência, que foi muito difundida nos últimos tempos, vem do latim “resilire” e significa “voltar atrás”. O termo veio da física para caracterizar a propriedade de um corpo de recuperar a sua forma original após sofrer um choque ou deformação. Ou seja, é a capacidade de resistir a impactos.
Normalmente, esse termo é utilizado como adjetivo para expressar a habilidade de uma pessoa em enfrentar e superar problemas, crises, traumas, perdas e desafios. Tudo isso com serenidade e flexibilidade para não se deixar afetar.
No ambiente de trabalho, é o profissional que resiste às dificuldades e mantém as suas características independentemente do cenário. É aquele que tem ciência do problema, mas segue trabalhando. Não foca na reclamação; respira fundo e continua as suas atividades. Resiste, não ataca.
O conceito da antifragilidade
Nicholas Taleb define como antifrágeis as pessoas que conseguem sobreviver e florescer em cenários desfavoráveis, como complexidade, instabilidade, desordem, estresse, aleatoriedade e incertezas. É a habilidade de viver em meio à volatilidade e aprender a tirar proveito dela.
Para ele, não faz sentido perseguir obsessivamente a estabilidade diante de uma vida dinâmica e imprevisível. É preciso se beneficiar dos choques. Por isso, é necessário expandir o olhar e enxergar o risco e a aventura como oportunidade de crescimento.
Entenda: não se trata de desejar o caos, mas de motivar-se apesar dele. É transcender o comportamento de evitar riscos e aceitar que as coisas precisam do caos e da desordem para prosperar e florescer. Ou seja, ser antifrágil vai além de ser resiliente.
Resiliência x Antifragilidade
O resiliente resiste aos impactos e permanece ileso, sem atacar. Ele espera passar pelas dificuldades da melhor forma possível, evitando atritos, e se contenta em voltar à sua forma original. Já o antifrágil não teme as adversidades; pelo contrário, fica melhor ao enfrentá-las. Transforma a dor em evolução.
Ostra feliz não faz pérola
Mesmo sem intenção, Rubem Alves utiliza uma metáfora perfeita para explicar a antifragilidade. Em seu livro “Ostra feliz não faz pérola”, ele detalha o processo de criação da pérola. Quando um grão de areia gera um atrito dentro da ostra, ela reage: envolve a areia pontuda para moldá-la em uma esfera lisa e não machucá-la. Ou seja, é a partir daquele sofrimento que a pérola é gerada.
Da mesma forma, na maioria dos casos, pessoas felizes e 100% satisfeitas não sentem a necessidade de criar; ficam acomodadas. As dores, dificuldades, desafios e problemas que surgem na nossa vida são um convite à transformação. Enxergue os danos como uma matéria-prima para a sua evolução.
As questões pessoais e profissionais que surgem na nossa trajetória são como grãos de areia pontudos que incomodam e, muitas vezes, machucam. Não é fácil encará-los e envolvê-los até transformá-los em uma esfera lisa. Para suportar esse processo é preciso ser antifrágil.
Por que a antifragilidade tem sido exigida nos processos seletivos?
É fato que a antifragilidade tem sido mais observada no mundo corporativo. Essa já é considerada uma habilidade que posiciona o candidato na frente. Por isso, é comum haver seleções em que os candidatos precisam gerenciar uma crise. É uma forma de testar essa habilidade na prática. Mas qual a utilidade da antifragilidade no dia a dia do trabalho? Por que exigir essa característica? Veja algumas razões.
Gera crescimento mediante incertezas
Por mais que haja planejamento, ninguém tem controle sobre tudo e imprevistos acontecem. O que fará a diferença é a sua atitude diante das incertezas. É preciso deixar de enxergá-las como uma ameaça e visualizar a oportunidade de desenvolvimento. Com uma visão mais madura, o profissional consegue manter a tranquilidade (resiliência) e a busca por melhores resultados mesmo em situações desfavoráveis.
Não teme as instabilidades
A partir do momento em que você entende que as instabilidades vão surgir e as aceita, você diminui a barreira e consegue visualizá-las melhor. Dessa forma, em vez de fugir das dificuldades, é possível analisá-las detalhadamente, como se utilizasse uma lupa. Com calma, paciência e profissionalismo, o antifrágil não teme as instabilidades, ele se prepara e cria o seu contragolpe.
Não se trata de desejar as adversidades, mas de entender que elas vão acontecer e devem ser recebidas como novas oportunidades de crescimento.
O profissional é afetado na dose certa
Ser antifrágil não significa ser imune ou inatingível. Na verdade, em momentos de crise, o profissional é atingido sim, mas na dose certa. Afinal, se um profissional não é abalado por nenhuma adversidade e não vê a necessidade de criar soluções, ele acaba não trazendo resultados positivos para a empresa e pode ser dispensado com facilidade.
A diferença do profissional antifrágil é a sua capacidade analítica e de reagir de forma controlada e precisa. Ele busca entender as razões da situação negativa e traça um plano para vencê-la. Ou seja, ele é afetado sim pelas dificuldades, mas na medida certa para transformá-las em soluções positivas.
Desenvolve a criatividade
A antifragilidade é fundamental na tomada de decisões, pois obriga o profissional a sair da sua zona de conforto. Dessa forma, os problemas se transformam em desafios e resultam em soluções criativas. Quanto mais treinar isso, mais habilidosas serão as suas decisões.
Esse desafio constante motiva a ampliação do seu repertório — quanto maior o repertório, mais chances de combinações você terá. Com isso, você desenvolve a criatividade e fica mais preparado para enfrentar dificuldades. E não precisa esperar por uma ocasião especial para aplicar esse conceito. A partir do momento em que você usar isso em pequenas ações, a antifragilidade ficará naturalizada no seu cotidiano.
Como desenvolver a antifragilidade nos colaboradores?
A antifragilidade depende das dificuldades, portanto, é uma habilidade a ser desenvolvida. Para a empresa, assim como é importante contratar uma equipe inteligente emocionalmente, é necessário incentivar os colaboradores a conhecerem e desenvolverem a antifragilidade. É algo que favorece a todos. Por isso, além de realizar a gestão de carreiras dos funcionários, a empresa deve praticar a cultura de feedback.
Incentive o autoconhecimento
Para reagir às próprias fragilidades é necessário conhecer-se bem. Práticas como a leitura e a yoga são exemplos fáceis de aplicar. Mapas mentais também são bem-vindos. Ao analisar as próprias fraquezas, eles serão motivados a encontrar soluções pessoais e, com isso, treinam a mente para os desafios laborais.
Que tal propor a leitura de um livro de inteligência emocional — pode ser o do próprio Nicholas Taleb — e premiar os colaboradores que apresentarem soluções criativas para os seus setores com base nos ensinamentos adquiridos?
Ofereça cursos e capacitações de inteligência emocional
O autoconhecimento é um caminho longo, multifacetado e depende muito do engajamento pessoal, mas se torna mais fácil quando há um acompanhamento profissional. Trazer exemplos práticos, com semelhanças no cotidiano, é uma forma de captar a atenção e ajudar os colaboradores a mergulharem nesse universo.
A segurança do trabalho, por exemplo, é antifrágil porque melhora a cada acidente na fábrica. As falhas são analisadas, as causas estudadas e a segurança é reforçada para evitar outros acidentes ocupacionais. E como aplicar isso no seu dia a dia?
- não tema a ocorrência de erros com riscos pequenos. Caso se confirmem, você vai extrair uma lição disso;
- não se deixe ser consumido apenas por dados. Eles são referências e podem levar a diferentes soluções;
- trabalhe com variáveis e diferentes opções de condução de problemas;
- desconfie de tudo que caminha bem e fácil demais com estabilidade;
- não adie os problemas, e sim encare-os com respeito e criatividade;
- estude sobre reversão de crises;
- estabeleça um fluxo de feedbacks do chefe para a equipe e vice-versa de forma clara e honesta.
Promova a colaboração entre diferentes áreas
Todas as pessoas têm talentos e habilidades. No entanto, nem sempre elas têm oportunidade para colocá-los em prática. Por exemplo, em vez de contratar um designerpara elaborar uma cartilha de cuidados higiênicos, você pode convidar o contador que desenha por hobby. Essa é uma forma de valorizar o talento desse profissional e de promover a união de setores que não têm relações tão constantes e próximas (contabilidade e comunicação).
Você conhece ou já participou de um evento de Hackathon? Trata-se de uma verdadeira maratona de programação e ideias, na qual os profissionais são divididos em grupos para alcançar um desafio. Porém, a formação desses grupos precisa ser estratégica: quanto maior for a soma de repertórios, com vivências e olhares diferentes, mais ricos serão os resultados.
Um modelo comum que pode ser adotado é o de selecionar participantes com base nas inteligências múltiplas de Howard Gardner:
- lógico-matemática;
- interpessoal;
- intrapessoal;
- linguística;
- espacial;
- musical;
- corporal.
Se os grupos tiverem pelo menos quatro participantes com inteligências diferentes, o processo já será positivo. Também é válido mesclar pessoas de diferentes setores para promover a integração e oferecer uma gestão mais participativa.
Como os outros setores podem apoiar o RH no desenvolvimento dessa habilidade?
Quando passamos por situações adversas, é natural que nos apeguemos ao passado ou apenas torçamos para que o futuro chegue logo. Para confrontar isso é preciso deixar claro que a crise não deve nos paralisar e destacar que todas as forças são importantes para combatê-las. É preciso reforçar o conceito de time. Veja como.
Incentivando a empatia e a responsabilidade coletiva
Caso a empresa esteja passando por dificuldades financeiras, deixe claro que apesar de o problema estar diretamente ligado ao departamento financeiro, todos os setores são importantes para chegar a uma solução. Reforce a ideia de que a empresa é um time e destaque o quanto a soma de forças é bem-vinda.
Apoiando e disseminando a cultura de inovação da empresa
A missão, visão e valores da empresa devem estar em locais estratégicos para que os funcionários se inspirem neles. Em cada evento, brinde de final de ano e comunicação institucional, o propósito da empresa deve ser abordado para que a cultura seja mais difundida.
Criar uma gestão e compartilhamento de conhecimentos
Que tal definir um dia por mês para atividades que agreguem conhecimentos? Pode ser definido como o “dia da inovação”. Planos de trabalho, projetos e produtos incríveis podem resultar desses encontros. Valorize os diferentes pensamentos e repertórios que a sua empresa reúne e colha os frutos dessa troca de ideias.
Como você acompanhou ao longo deste texto, a antifragilidade difere da resiliência por oferecer uma lição. Ou seja, não se trata de apenas resistir a dificuldades, mas de transformá-las de forma positiva. E o melhor: essa soft skill, além de ser um diferencial no mundo corporativo, também melhora as relações pessoais.
Trabalhar essa habilidade em si é permitir um crescimento pessoal que traz muitos benefícios para a sua vida de forma geral: familiar, afetiva, social, econômica etc.
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